Eu era um carinha muito bacana. Era o rei do pedaço. Ah!
Calma! O rei era meu pai, rei Jullian. Voltando ao assunto, eu chamo Dedé,
príncipe da Floresta Encantada. Acho top a cor que meu cabelo fica na calada da
noite, a batata doce e o frango que os empregados do castelo fazem para o café
da manhã, o cheiro do meu Whey Protein,
as boêmias nas tavernas que frequento com meus dois melhores amigos Alvinho e
Zezé e principalmente, tudo que envolva ultrarromantismo.
Um certo dia,
estávamos eu, Alvinho e Zezé na taverna de Dona Emília, viúva do grande Marquês
de Rabicó. Ao som de Vinicinho de Morais, falávamos da vida, escrevíamos sobre
amores perdidos e enchíamos a cara.
- Mas e a Princesa?
Que fim deu a história? – perguntou-me Zezé.
- Ah, não... eu
sei que sou o pessimista do pedaço e que não existe ninguém mais ultrarromântico
que eu, só que Dedé me supera quando o assunto é essa princesa. – disse
Alvinho.
- Já lhe disse uma vez
Vou contar a segunda
A Princesa se foi
Sem explicação alguma
Era minha paixão
Como noiva a tomaria
Mas deixou-me no altar
Levando minha alegria
Vaguei reinos ao seu encontro
Foram dias de desespero
Ela mudara o conto
Me deixando com seu desmazelo
Deixou-me sozinho,
Perdido,
Desolado,
Abandonado.
Arrancou meu coração
Trouxe a escuridão
Me fez de escravo e então, me
deixou com essa canção...
E, neste momento, Vinicinho
entoou o refrão de ‘’Onde anda você’’, dando ao meu poema um quê a mais de
sofrimento, melancolia e dor, deixando Zezé aos prantos e Alvinho com cara de
tédio.
Para quem não entendeu, irei
explicar. Princesa era a moça do reino de Neverland, com a qual eu iria me
casar e pela qual eu me encontrava perdidamente, loucamente, imensamente
apaixonado. Mas não sei por qual razão e circunstância, ela me deixou plantado
no altar, tornando-me motivo de piada pela Floresta.
- Seu ultrarromantismo anda
muito enferrujado, Dedé. – retrucou Alvinho. – Que sofrimento de 5ª série!
Parece mais aquela escrita enferrujada que mora no País das Maravilhas.
- Julia não está nada enferrujada,
Álvares de Azevedo! – eu disse. – Mais Uma Vez foi uma obra e tanto!
- Que seja... Pare de chorar,
José de Alencar! Mais parece um dilúvio. Nada do que ele recitou é realmente
delirante e sofredor.
- Quando você largará o egocentrismo
de lado, Alvinho? – disse-lhe Zezé. – Eu achei muito lindo e emocionante, Dedé.
Mas acho que você deveria envolver mais a natureza como em Iracema ou quem
sabe, uma sociedade burguesa como em Senhora.
- Ah, vamos esquecer toda essa
baboseira e vamos ao que realmente interessa. Chamei-os aqui hoje para um
desafio! – disse Alvinho, enquanto ria entre dentes. – O que acham de uma noite
sem limites?
- E o que seria essa noite sem
limites? – lhe perguntei.
- Hoje é sexta-feira, noite de
lua cheia, ou seja, Hades não está tomando conta das portas do cemitério e eu
pensei que poderíamos passar uma grande noite em meio aos caixões e criptas. E
quem for o último a sair, bebe um mês nas costas dos outros. Pois então, vocês
topam?
Que Alvinho era louco de pedra, todos
nós sabíamos. A vida desse cara eram tavernas, poesias altamente depressivas e
coisas ligadas a morte. Rolavam boatos de que praticava até mesmo necrofilia e
com um convite daqueles, não me restavam dúvidas. Mas como eu não tinha nada
melhor para fazer e Zezé também não, acabamos aceitando o convite.
As primeiras horas foram de puro
tédio. Não havia nada de interessante em meio a fotos e ruivos de Jacob Black e
sua alcateia. Enquanto Alencar revisava umas prosas, Alvinho corria em meio aos
túmulos como uma criança em parque de diversões e eu só conseguia pensar na
minha princesa e em que a fizera desistir do nosso casamento, da nossa vida a
dois.
Foi quando ouvi
um estrondo e corri para ver o que era. Neste momento, perdi a fala. Não sei se
foi pelo acontecimento ou pela beleza que vinha em minha direção. A donzela
mais linda que todo o reino já havia visto estava reencarnada na minha frente.
Ela possuía cabelos mais negros que a asa da graúna, a pele tão branca que
parecia azulada. Rosas vermelhas como meu sangue lhe adornavam os cabelos. Uma
pintura caveirística lhe escondia as feições, como na tradição mexicana de
pintar os mortos. Seus belos olhos se escondiam de mim, pois estavam fechados,
com seus longos cílios acariciando as bochechas macias. Ela rodopiava
suavemente, dançando como uma borboleta na primavera, enquanto um sorriso lhe
tomava os lábios cheios. Era a minha Princesa cadavérica.
- O que você está
olhando, Dedé? – perguntou-me Alvinho.
- Olhe só aquela
bela moça, Alvinho. Veja suas curvas em forma de ossos. Veja seu sorriso
estonteante. Olha como ela rodopia e desafia todo meu ser a querer ser mais e
mais.
- O que vocês
estão olhando? – perguntou Zezé ao se aproximar.
- Parece que as
poções de Dona Emília subiu a cabeça do nosso amigo, Zezé. Segundo Dedé, há uma
bela donzela em sua fronte. Você vê algo além de neblina? – disse Alvinho.
- HÁ HÁ HÁ! Era só
o que faltava, Dedé! Vamos embora e pare
de delirar. Este passeio já perdeu a graça e não aguento mais ouvir Jacob e sua
matilha uivando os meus ouvidos. – Dizendo isso, Zezé puxou Alvinho e seguiram
em direção aos portões do cemitério.
E eu fiquei lá. A
mercê daquele belo ser envolto na mais bela camada de névoa branca com cheiro
de velas e corpo em decomposição. Quando dei por mim, já havia me aproximado o
bastante para começar um diálogo e assim o fiz.
- Boa noite, bela
donzela! O que fazes perdida em meio a estes corpos? – perguntei, aproximando
mais do que o esperado.
- Nada que seja
da sua conta! – ela me respondeu e saiu andando para outros cantos.
- Ah, mas eu não
sei de contas mesmo... Sou um mero príncipe que se perde em meio às letras de
poesias altamente depressivas.
- Eu não me
recordo de ter te perguntado o que faz ou deixa de fazer. Agora, se me der
licença, eu tenho um baile para organizar.
- Um baile? Eu
amo bailes! Sou o melhor dançarino que toda floresta encantada já viu! Venha
cá!
Com estas fala,
puxei-a para ainda mais perto de mim e foi quando algo realmente cabuloso
aconteceu. Minhas mãos transpassaram sua pele!
- Por que eu não
consigo te tocar? – indaguei.
- Eu não deixo
qualquer um por as mãos em mim, simples assim. Será que agora o projeto de Léo
Stronda pode me dar licença ou tá difícil?
- Não sei porque
me tratas assim, será que não sente? Nós temos uma ligação. Eu estou sentindo.
Tentei colocar suas mãos em meu coração, mas foi em vão, pois ela era puro espírito.
Creio que nos conhecemos de outro lugar.
- Estou revisando
a minha lista de amizades e não me lembro de nenhum príncipe idiota, bombado,
que acha que o mundo gira ao seu redor e de seus bíceps cheios de
testosteronas.
- Não sei como me
trata dessa forma, se estou aqui tão caído aos seu pés que me encontro quase
que no submundo...
- Então me faça o
favor e vá para o submundo! – disse e saiu correndo.
- Ei, volta aqui!
Corri ao seu encontro e tentei, mais uma
vez, acariciar suas mãos. Foi em vão. – Tenho certeza que nos conhecemos de
algum lugar!
- Eu já lhe disse
que... Ah, calma aí! Eu conheci um príncipe assim, ou na verdade um projeto de
príncipe. Seu nome era Dedé e minha mão foi prometida a ele. Olhe. – estendeu-me
a mão. – Este anel de flores foi a única coisa fofa que ele me deu nestes três
anos de noivado. Fora isso, ele me dava uns chifres, enchia a minha cabeça das
poesias mais chatas do universo, convites para tavernas nada emocionantes e
tentava de qualquer forma me fazer tomar suas misturas com Whey. Para não ser obrigada a casar com aquele ogro, acabei
vendendo minha alma para Hades e aqui estou! – Sorriu ao final da confissão. - Olhando bem, você se parece muito com
ele. Com cabeça oca e cheio demais nas panturrilhas e braços. Um tremendo de um
babaca.
E foi neste
momento que eu tive a certeza de que era ela. Era a minha Princesa. A minha
Princesa perdida. Aquilo só podia ser obra do bom Zeus! Como eu havia ansiado
por aquele momento! Ela estava ali na minha frente e eu estava mais do que
apaixonado.
- SOU EU! Eu sou
seu príncipe! – disse correndo ao seu encontro. – Eu sou o príncipe que você
sempre esperou. Eu sou Dedé. – E atravessei por seu corpo, na falha tentativa
de toma-la em meus braços.
- Primeiro, você
ainda não percebeu que não vai conseguir de forma alguma me tocar? E, segundo,
qual parte de que eu MORRI PARA NÃO TER QUE ME CASAR você não entendeu? Eu não
quero você, não quero ficar com você, não quero nada que venha de você. Agora
dá para você me deixar em paz? – Com essas palavras de desgosto, minha Princesa
desapareceu envolta em uma nevoa branca.
E me deixou ali
de joelhos esperando a sua volta. Deixou-me ali para toda a eternidade.
Deixou-me ali para viver o resto da minha vida condenado a sua espera. Onde me
encontro até hoje, entre lágrimas e uma grande solidão. Mas com a certeza de
que minha bela donzela, minha Princesa, um dia voltará e irá me tirar da
escuridão.



Que lindo! Cada vez mais eu me apaixono pelos seus contos!
ResponderExcluirTe amo.
contraomundoo.blogspot.com