Ela só queria desaparecer | Projeto: 642 coisas sobre as quais escrever

Foto via We Heart It.

Rita Lee passara a ser uma ídola, e Ovelha Negra tornara-se seu hino. Era incrível a incompreensão que vinha de tantas partes, de tantos lados. Ao mesmo tempo em que enxia os pulmões para falar que era diferente, mente aberta e de coração gigantesco, Marina chorava por estar tão distante e ter-se tornado a aberração. Ou simplesmente a decepção.

Pedia desculpas em seu coração, mas não aguentava mais tamanha pressão. Queriam que ela fosse outra. Que ela se reinventasse. Que ela se deixasse e se deslocasse de seu quarto, seu eu, para o mundo, para o breu que era a sala de estar e todas as pessoas presentes. 

Já havia se tornado tortura.

''Marina anda muito quieta.''

''Marina não fala mais com os primos.''

''Marina vive com a cara fechada.''

''Marina não tem educação, nem se dá ao trabalho de sair de seu quarto para cumprimentar os familiares.''

''Marina se esqueceu que tem família.''

''Essa menina está pensando que é a última bolacha do pacote.''

''Marina não nos ama mais.''

Incompreensão. Isso assombrava Marina e seu coração. 

Marina não andava quieta, ela só achava melhor não discutir com pessoas das quais não compreenderiam seu ponto de vista. Marina não fala mais com os primos, ela só tivera um crescimento avançado ao longo dos anos e os assuntos gerados na ''roda da coca-cola''- que há tempos não era composta por coca, devido ao fato de que os primos passaram achar muito mais interessante o álcool, o que causava enjoo em nossa menina -, já não eram mais de seu interesse. Marina não vivia de cara fechada, aquele era apenas o rosto de uma menina cansada de tanta palhaçada. Marina tinha educação e toda vez se ''dava ao trabalho'' de sair não só do quarto, mas de seu eu, seu mundo, para cumprimentar os outros e sorrir para os retratos. Marina não se esqueceu que tem família, pelo contrário, a cada dia que passava se lembrava mais e mais de onde veio, de suas origens. Marina não se achava a última bolacha do pacote, ela só se achava aquele biscoito de maisena do qual as pessoas não veem mais tanta graça, mas que ainda é amado por alguns. E por último, Marina não deixara de ama-los. Marina só os amava. Só os amava acima de todos os acontecimentos. Só os amava acima de todos os aborrecimentos. Só os amava apesar de todos os tormentos. Só os amava, mesmo com seus lamentos. Só os amava, por serem seu alento.

Mas do jeito que as coisas caminhavam, do jeito que as conversas fluíam, Marina só pensava que se fosse invisível acabaria com a agonia, se fosse invisível se tornaria heroína. Não só de si, pois se esconderia. Mas do mundo, da família, pois desapareceria.

Marina só queria deixar de ser a ''cocaína'' e voltar a ser a menina, que um dia fora compreendida e amada pelos seres que se dizem família.

Talvez a solução fosse mesmo a invisibilidade da menina.

* O texto faz parte do projeto ''642 coisas sobre as quais escrever''. Saiba mais sobre o projeto aqui. Este texto fora inspirado na segunda proposta do projeto que consiste em expressar o poder que gostaria de ter e o motivo, se fosse uma super-heróina. *