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02/03/2017

A primeira vez que senti saudades


Foi quando saindo da aula, recebi uma mensagem de "meus pêsames".
Foi quando segurei o choro ao esperar minha mãe vir me buscar e quando desabei em lágrimas já dentro do carro.
Foi quando, ainda em prantos, cheguei em casa e me dei conta que você nunca mais iria lá.
Foi quando vi toda a família reunida na casa da vovó, todos vazios, sem o brilho que só você era capaz de irradiar.
Foi (e é) a eterna culpa que carrego de não ter ido dar-te um último adeus, ver seu sereno e alegre rosto agora frio e distante.
Foi quando lembrei que minha mãe nunca mais receberia uma rosa tua no dia das mães, gesto tão simplório e por isso tão seu.
Foi quando o piano não tocou no Domingo, muito menos o violão.
Foi saber que Clara nunca veria seu polegar que saía da mão, ou o misterioso bicho que se escondia em seu lenço.
Foi não te ver no Ano Novo, nem na Páscoa, muito menos no Natal, e saber que teria de me conformar com sua ausência, mas não conseguir me conformar com a dor que vez ou outra despontava.
Foi ver as fotos antigas da praia, e lembrar dos pregadores que pus em seus ralos cabelos, sem você sequer se importar, pelo contrário, achastes lindo.
Foi lembrar do primeiro poema que escrevi (ainda pequena) e gostei de verdade, em ocasião do teu aniversário.
Foi saber que meu pai nunca mais zombaria de você saindo do banheiro com o zíper aberto, ou que ninguém mais comeria naquele prato que era mais seu que dos outros.
Foi lembrar de ti chorando no enterro de tia Teresinha, e mesmo assim querendo confortar a mim e a Helena.
Foi o sorriso torto que dei quando peguei aquele relógio que presenteou-me no último aniversário dividido contigo.
Foi o choro manso aos primeiros acordes de Cartola, e a saudade das suas melodias precisas e puras, que eram como viagem automática no tempo e tinham aquele gostinho de fim de tarde.
Foi quando me sentia perdida, e rezava esperando que, quem sabe, você me respondesse daí.
Foi ver o coral se apresentar sem você, todo bobo ao receber os aplausos quando fazia um solo.
Foi a dor de saber que minha avó chorava de saudades do irmão, que a deixara por último aqui.
Foi não saber lidar com as palavras que nunca disse, e que aqui foram morrendo junto a ti.
Foi me dar conta do amor que eu sentia mas nem sequer percebia.
A primeira vez que senti saudades foi quando você nos deixou, e dessa vez eu sabia que era uma saudade do tamanho da sua eternidade.

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