No final do último
ano eu pensava que já havia vivido muito e aprendido demais. Passei por
milhares de transformações e precisava de algo que marcasse o começo de uma
nova era, uma nova mulher. A primeira coisa em que pensei foi cortar o cabelo!
Uns apoiaram, outros ficaram no ‘’ah, mas você tem um cabelo tão bonito’’,
minha mãe pirou, mas no final acabou cedendo. E assim, fui para o salão toda
feliz e saltitante porque em breve teria um novo cabelo. Um novo rosto. E uma
identidade limpa, pronta para ser preenchida por um novo ano.
Alegria não faltou
quando Joana, a cabeleireira, mostrou-me o resultado no final. O salão era
perto da minha casa, então vim correndo e sorrindo para todos que por mim
passaram naquela tarde. Dava vontade de parar as pessoas só para dizer ‘’esse é
o meu novo cabelo, você gostou?’’. Chegando em casa foi mais um misto de
felicidade sem fim diante dos elogios e claro, utilizei de toda nova tecnologia
para mandar fotos até para a minha avó que mora no Rio. Ela quis chorar quando
soube que a princesa havia cortado um dos seus bens mais preciosos. ‘’Eu sou a
Rapunzel, Vó. Agora tá curtinho, mas com o tempo cresce’’ pensei comigo.
E cabelo é algo que
cresce mesmo, e não sei o das outras pessoas, mas o meu cresceu numa velocidade
que quando dei por mim lá estava todo aquele volume e comprimento de antes. Só
que com o crescimento dos fios, vieram os ensinamentos de mais um ano. Parecia
que a cada nova pedra retirada do caminho ou a cada montanha em que escalava mais
ele crescia. Com esse ano eu cresci e pude acompanhar todo meu crescimento por
algo que vive sempre tão juntinho comigo, e na minha cabeça. Quando ele não era
cuidado, era sinal de que as coisas estavam ruins e eu não estava me cuidando.
Mas quando ele estava fofinho, todos os cachinhos se incendiavam e diziam que,
pelo menos naquele momento teríamos alegria.
Encerro mais um ano
com ele curtinho. Cortei ontem e a sensação de ‘’sou a mulher mais bonita do
mundo’’ me domina desde quando a Juliana, a cabeleireira dessa vez, disse ‘’É
assim que você quer, Julia?’’. Mais uma vez passei por todo um processo de
‘’vai cortar’’ ‘’não vai cortar’’, mas dessa vez menor porque foi só o tempo de
dizer ‘’Mãe, marca com a Ju que hoje eu quero cortar’’ e claro, com uma
promessa que antes de tirar metade da juba iria ver revistas com modelos de
cortes. ‘’Vai que você se arrepende e não gosta. Um corte vai ficar tão
lindo’’. Coisas de mãe.
Depois que saí do
salão parecia que o mundo havia me abraçado e eu o abraçava de volta. A semana
começou melancólica, mas hoje tudo fez mais sentido. Os dias pareceram ter mais
cores e finalmente a chuva que eu tanto esperei ontem, chegou. E ainda me
trouxe um arco-íris! Com os fios que tirei deixei para traz não só metade do
meu cabelo, mas todas as coisas ruins que precisavam ir embora com aquelas
pontas queimadas. Peguei tudo de bom que aprendi no ano em que se passou e com
isso vou seguir adiante.
Desapego é a minha
palavra do final de ano. Descarrego é o que pretendo fazer durante estes dias
que antecedem o tão esperado – e assustador – trinta e um de dezembro. Sinto
que já deixei tudo que precisava deixar para trás. E ao longo do ano, se for
pesado demais, eu repico um pouco aqui, um cado ali.
Cabelo cresce
rápido. Assim como a gente. E ás vezes, talvez sempre, precisamos nos podar
para seguir adiante. Afinal, um cabelo tão bonito não merece pontas tão
ressecadas.



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