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25/09/2016

Sacada


Acordara já tarde, quase ao entardecer, o sol se pondo enfadonhamente entre os arranha-céus e morros distantes. Levantou cambaleante e de cara amassada, fez de pijama o blusão velho que o pai a presenteara (de sua banda favorita, claramente). Acendeu um cigarro e foi até a pequena varanda do décimo quarto andar, seus cabelos – quase nunca penteados, e quase sempre ondulados – brincavam com o vento forte a soprar. Tragava, se debruçava e olhava pro nada, sentindo o vazio, enquanto a fumaça se esvaía no ar. Os tons arroxeados contrastando com o intenso dourado em seu fim eram de certo modo reconfortantes em meio a todo aquele caos. Aquele velho aperto em seu coração, de quando de repente o mundo ficava hostil demais para se viver, aumentava gradativamente conforme o astro-rei ia definhando até morrer. Mas de certo modo ela gostava da solidão. De ouvir os carros cruzando a avenida, os pratos batendo no restaurante da esquina, as pessoas festejando em um apartamento mais adiante, dois ou três pássaros com voos errantes, e ela ali, na quase escuridão, com seu cigarro a queimar. Luzes acendiam aqui e acolá lentamente, colorindo o monótono poente, e enchendo seus devaneios de nostalgia, na televisão algum instrumental melancólico ressoava, o ambiente se impregnava de tristeza e fumaça, enquanto a brisa, suavemente a tranquilizava. Batia o cigarro contra o batente, vendo as cinzas se desfazerem vagarosamente, e refletindo na sua própria fragilidade, quanto ser de um universo sobre-humano, perdida em meio a um formigueiro desordenado, presa em uma sociedade que não condizia com seus subordinados, aflita pelo futuro, mas entediada pelo presente, desolada com o eterno buraco que não se tapou, e que talvez nunca fosse preenchido. Ah, se ela soubesse como curar um coração partido...


Mas a campainha tocara e o cigarro já se findava, era hora de sair dos devaneios, deixar de lado os receios (e anseios), e tomar coragem para abrir a porta a mais um amor alheio que tentava adentrar seu angustiado peito. 

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