Acordara já tarde, quase ao entardecer, o sol se pondo
enfadonhamente entre os arranha-céus e morros distantes. Levantou cambaleante e
de cara amassada, fez de pijama o blusão velho que o pai a presenteara (de sua
banda favorita, claramente). Acendeu um cigarro e foi até a pequena varanda do
décimo quarto andar, seus cabelos – quase nunca penteados, e quase sempre
ondulados – brincavam com o vento forte a soprar. Tragava, se debruçava e
olhava pro nada, sentindo o vazio, enquanto a fumaça se esvaía no ar. Os tons
arroxeados contrastando com o intenso dourado em seu fim eram de certo modo
reconfortantes em meio a todo aquele caos. Aquele velho aperto em seu coração,
de quando de repente o mundo ficava hostil demais para se viver, aumentava
gradativamente conforme o astro-rei ia definhando até morrer. Mas de certo modo
ela gostava da solidão. De ouvir os carros cruzando a avenida, os pratos
batendo no restaurante da esquina, as pessoas festejando em um apartamento mais
adiante, dois ou três pássaros com voos errantes, e ela ali, na quase
escuridão, com seu cigarro a queimar. Luzes acendiam aqui e acolá lentamente,
colorindo o monótono poente, e enchendo seus devaneios de nostalgia, na
televisão algum instrumental melancólico ressoava, o ambiente se impregnava de
tristeza e fumaça, enquanto a brisa, suavemente a tranquilizava. Batia o
cigarro contra o batente, vendo as cinzas se desfazerem vagarosamente, e
refletindo na sua própria fragilidade, quanto ser de um universo sobre-humano,
perdida em meio a um formigueiro desordenado, presa em uma sociedade que não
condizia com seus subordinados, aflita pelo futuro, mas entediada pelo
presente, desolada com o eterno buraco que não se tapou, e que talvez nunca
fosse preenchido. Ah, se ela soubesse como curar um coração partido...



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