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26/09/2016

Efeitos colaterais



São três da manhã. Ele está acordado. Acabou de ver um filme para passar o tempo e ocupar a cabeça, porém, ao invés de dormir, lá está ele,  no mesmo velho e cansativo buraco de sempre. Será que "água mole e pedra dura, tanto bate até que fura" é realmente um ditado popular válido? Pra ele ainda não havia prova disso. Afinal, estava sentindo o mesmo de sempre. Mas havia algo de diferente daquela vez; era como se ele se permitisse sentir. Nas outras ocasiões em que se sentia assim, rodeado de amigos, ou conversando com alguém, ignorava, guardava, se lágrimas surgissem, tudo bem, ele poderia guardá-las pra mais tarde. Mas não naquele momento. Sim, pode-se dizer que foi um momento esperado, ele segurou a angústia e o aperto no peito, o escondeu bem, aguardou o momento em que estivesse sozinho em seu quarto, no silêncio da noite, onde poderia estar distante de tudo. Ou de quase tudo. As únicas coisas que não se calavam na calada da noite eram os ecos de sua cabeça.

Não queria se fechar, mas com frequência sentia essa necessidade. Não queria mais se esconder, mas era preciso encontrar  jeito de se mostrar. Ser um pouco mais transparente parecia tão mais fácil. Ou talvez se distanciar daquele turbilhão por um tempo.

Não. Distância não. Como as pessoas têm reclamado disso. Para a mãe ele andava meio rebelde, contraditório, quando não estava muito quieto, estava estressado. Para os poucos amigos, estava distante, de poucas palavras.

Apenas efeitos colaterais.

Efeitos colaterais de todas as coisas que trancou dentro de si, contudo, assim como ele, a chave se encontrava perdida. Efeitos colaterais do todas as palavras que não disse, aquelas mesmas palavras, que continuam engasgadas, e ainda o fazem respirar fundo. Efeito colateral da esperança de que algo milagrosamente o faça aceitar todas as coisas que não aceita em si.

Efeito colateral de criar expectativas demais, e acabar por se decepcionar, afinal, ninguém era responsável pelas expectativas que ele criava.

Apenas um efeito colateral de ainda querer acreditar que qualquer coisa no mundo pode acontecer para uma pessoa normal.

Entretanto, isso se resume em um efeito colateral de sentir. Porém sentir sufocadamente. No fundo ele tinha medo daquilo tudo. Medo de sentir. Medo de um dia sufocar com as palavras que nunca disse. Medo de um dia se esconder tão fundo dentro de si de modo que não consiga nunca mais voltar.

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