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10/04/2016

Ele que passa


Sempre tive medo. Medo de tudo, desde quando o meu tudo era muito pouco. Medo de lagartixa, da solidão, da perda e da ausência. E no fundo de todos, medo do tempo. Porque o tempo é maroto, gosta de pregar peças. Porque o tempo não pode ser enganado, nem convencido por meus incontáveis argumentos. Porque o tempo passa. E nós, tolos seres humanos, acreditamos ser dele a benevolência que nos tira o peso dos ombros, que leva embora as lembranças indignas de recordação. Não atinamos para o fato de que o tempo é o pai de tal peso e de tais lembranças. O tempo me criou, mas manteve em meu olhar a mesma apreensão; desenhou no espaço entre minhas sobrancelhas uma marca preocupada, presenteou-me com pesadelos e sonhos ruins. Continuo pequena, continuo criança amedrontada por lagartixas, pela solidão, pelas perdas, pela ausência. Mas o maior deles ainda é o cabelo gradativamente branco, a memória levemente enfraquecida, a adultez, a contagem, o futuro incerto que traz certezas que eu desgosto. Futuros que viram lembranças e lembranças que viram lágrimas me incomodam, porém, trazem-me certa esperança. E em uma tentativa de não enlouquecimento, prendo-me ao agora, e finjo não perceber o escurecer do dia, o mudar das estações e o aumentar dos graus nas lentes. O tempo passa. E de tanto passar, tem levado cada vez mais de mim. 

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