E hoje a saudade veio. Bateu na porta o dia todo, mas eu me
recusei a abrir. Teimosas que somos, ela também persistiu na sua cínica vontade
de me fazer companhia. Ao meu primeiro descuido, arrombou a porta. Amarrou-me a
ela por uma foto ou um cheiro, não me lembro exatamente. Lembro-me da dor,
essa, inesquecível. A saudade trouxe consigo o arrependimento, e fez questão
absoluta de mostra-lo, de exibi-lo, de fazê-lo insuportavelmente notável. A
saudade pisou no meu coração da maneira mais torpe possível. A saudade não
perdoou meus deslizes nem minhas ignorâncias, e só fez doer. E eu, na
banalidade humana que me cabe, chorei minhas lágrimas humanas e sofri pelos
meus erros humanos. A saudade riu sarcástica. Viu em mim o medo. Esse, meu
companheiro de sempre. O medo é para mim como um vício. A saudade sabe disso. A
saudade se aproveita disso. É fria e rude como a morte. É ingrata e amarga. A
saudade tem inveja do amor, por isso espezinha, machuca. O amor sangra na
saudade. O amor que há em mim dói, eu tento acalmá-lo, mas ele dói
dilacerantemente. O amor perde o fôlego entre soluços de choro. O amor sofre na
saudade. E eu, como uma mãe que sofre pela dor de um filho, sofro pela dor do
amor que há em mim, pela tristeza que o preenche. E tendo realizado seu
trabalho com maestria, a saudade se retira deixando um rastro. E é esse rastro
que corrói a alma. A culpa é o rastro da saudade, é seu algoz. A culpa é a
companhia eterna daqueles, que como eu, vivem de descuidos.
Lavínia Travassos


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